l'enseignant.


Era uma noite de sábado.

Após diversas tentativas, Alice tinha sido convencida pelos amigos a frequentar naquela noite um bar no centro da cidade.
Ela era caseira, pouco saía de casa para lazer e quando saía era para lugares calmos e pouco movimentado. Locais superlotados eram aterrorizantes devido ao fato que ela destetava mudar a frequência dos seus passos por causa de alguém desatento à sua frente, fatos que ela precisava lidar de segunda a sexta. Os finais de semana eram como um presente merecido enviado por Deus em forma de sabedoria ao homem. O sábado criado pelos judeus, o domingo criado por um romano. A sabedoria foi que ambas ideias foram conciliadas e Alice se sentia plena e renovada nesses dias.

Alice e seus amigos haviam acabado a faculdade de enfermagem, todos estavam devidamente empregados e com estabilidade financeira, sempre com disponibilidade de pelo menos 3 sábados ao mês. Eles não trabalhavam juntos, mas se falavam sempre através das redes sociais, ou quando Alice decidia abrir as portas de sua casa para assistirem algum filme e comer bobagens.

Ela terminou de confirmar a presença daquela noite via WhatsApp e se levantou para procurar alguma roupa.
Alice estava com 31 anos e passava por um período turbulento na justiça. Ela tinha um filho de 10 anos que fora passar as férias com o pai e depois disso ela não o teria visto mais, além das ligações de vídeo do filho feitas escondido do pai.
Naquela noite, Alice precisava sair pra espairecer e tentar dar uma pausa naquela avalanche de problemas.
O local combinado era no famoso bar do Bin Laden na Bela Vista, as 21 horas. Alice já conhecia o centro por ter andado muito durante a infância e adolescência com o pai fazendo aventuras na selva de pedra.

Tomou um ônibus de seu bairro até a república e desceu para ir andando e sentindo a noite.  

Embora preferisse ficar em casa, ela era uma pessoa da noite. Era na noite que ela se sentia livre.

Eram 21:15 quando ela já estava na Xavier de Toledo e começou a garoar. Ela correu pra não ficar muito encharcada, estava sem guarda-chuva.

Naquela noite ela não se vestiu tão bem quanto costumava. Imaginou que fosse ficar por um curto período de tempo e ir embora. Estava com uma regata vermelha em seda com estampa de rosas brancas, um casaco jeans surrado, calça jeans preta e coturno.

Chegando lá viu em frente ao bar uma antiga professora de quando ela fazia curso técnico, mas achou que fosse impressão e entrou.
“Que demora, senhorita atraso!” disse Felipe.

Ela cumprimentou os amigos. Eram um grupo de dois rapazes e duas mulheres contando com Alice.

Felipe, Marcos, Ester e Alice.
“Eu resolvi vir andando, por isso demorei”
“Vamos pedir alguma coisa pra você, amiga. Parece abatida!” disse Ester pegando no braço de Alice e puxando ela para o balcão.
“A Alice vai beber hoje?” perguntou Marcos. “A noite ta boa demais pra alguém passar mal”.
“Não, vocês sabem que não bebo, vou tomar um refrigerante, faz mal igual”.
Felipe e Ester se pegavam às vezes e era só isso. Ele a abraçou por trás, ela se virou e começaram a se beijar.

Marcos ficou parado tomando sua cerveja e observando Alice.

“Você está bem?”

“Ah, eu estou levando. O bom nessa história toda é que nada mais tem o poder de me estressar”

“Você sabe que pode contar comigo pra qualquer coisa, inclusive esmurrar aquele filho da puta”

“Eu sei, Marcos. Mas se a resolução pra ele me devolver meu filho fosse a agressão, eu mesma já teria feito.”

“Você vai ganhar a causa, ele cometeu um crime. Eu não entendo porquê a demora toda pra resolverem isso” Ele estendeu a mão pra pegar a garrafa de coca e abriu pra Alice.

“Obrigada. Vamos aproveitar a noite.”
O bar do Bin Laden era conhecido pelo dono ter uma aparência um tanto exótica de árabe e do som que tocava no local.

Estava tocando Rock Or Bust do AC/DC. 

Marcos deu um soco no braço de Felipe.

“Oh, vocês não estão em dupla. Vamos beber lá fora”.

Já havia parado a garoa.

Pegaram uma mesa na calçada e sentaram-se pra beber.

Alice observou as pessoas que estavam ali e não tinha visto mais a antiga professora. Eles estavam conversando sobre plantões que haviam enfrentado dias atrás e Alice estava concentrada na sua garrafa de vidro até que sentiu uma mão no seu ombro. Ela olhou pro rosto de seus amigos, interrompidos e observando alguém parado atrás dela. Ela se virou pra trás para ver quem era.

“Oi, lembra de mim?”
Claro que ela se lembrava, era a antiga professora que durante a ocasião do curso havia despertado um certo interesse em Alice.
Alice se levantou para abraça-la, cheirou o pescoço da professora e disse,
"Sim... como você está?"
"Muito bem, você não mudou nada."
Alice sorria encantada e via que era reciproco.
"Pessoal, essa é Paula, uma professora do técnico."
Eles se cumprimentaram.
"Me conta, ta fazendo o que da vida? Ta na área?" perguntou a professora.
Alice pediu licença e se afastou alguns metros da mesa com ela.
"Estou, como enfermeira chefe em um hospital privado e você? dando aula ainda?"
"Não, dois anos depois que sua turma se formou, eu saí... acho que tem um tempo pra tudo."
"Me passa seu número, vamos manter contato"
"Claro. Você mora aqui perto?"
Nesse momento um estrondo de trovão percorreu o céu novamente e a chuva retornou apressada.
Todos começaram se levantar da mesa e correr pra dentro do bar.
Elas correram pra debaixo de um toldo no comercio ao lado que estava fechado.
"Alice, nós vamos embora, vai ficar?" perguntou Marcos.
Alice olhou para Paula.
"Eu moro aqui perto, se quiser vamos pra lá."
"Eu vou ficar."
"Tá, então depois a gente se fala."
Ester correu até Alice e deu um beijo no rosto e entrou no carro com Marcos e Felipe.
"Então vamos?"
Paula pediu um momento e foi até o bar e voltou com um guarda-chuva.
"Bin Laden é camarada, depois devolvo"
Alice não sabia o que dizer naquele momento. Paula deu o braço para ela segurar e começaram caminhar enfrentando a chuva.
Durante o percurso Alice não sabia o que dizer. Chegaram em frente a um edifício antigo do centro de São Paulo e entraram.
"É aqui que eu me escondo." disse Paula apertando o botão do elevador.
"É muito lá em cima?" Alice sorriu. "Nada, moro no 4º andar."
Entraram no elevador e o silêncio novamente se fez presente. Alice estava pensativa sobre se Paula lembrava do ocorrido na sala de aula quando ela ainda era sua aluna.

Alice procurou pela professora na sala de anatomia.
"Professora, posso entrar?" perguntou Alice batendo na porta da sala vazia, onde Paula estava após ter liberado os alunos.
"Claro, tudo bem?" perguntou ela se levantando e caminhando até Alice.
"Então, isso que preciso saber, quero que você me ajude com uma duvida que estou tendo há alguns dias..."
"Tudo bem, o que houve?"
Alice encostou a porta e puxou Paula pela mão ao fundo da sala.
"Acho que estou sentindo um nódulo no meu seio..." disse Alice tirando a blusa. Estava sem sutiã.
Paula engoliu em seco, fitando os seios de Alice.
"Você fez o auto toque certinho?"
"Sim, mas queria uma luz..."
Sem saber muito bem como reagir, Paula ficou por trás de Alice e apalpou o seio que ela indicara por alguns minutos. Silêncio.
"Não sinto nada, aparentemente não tem nada. Já marcou consulta com um médico pra pedir exame?" Paula se afastou e voltou lentamente a mesa. Alice vestiu a blusa de pressa e a seguiu.
"Marquei, sabe... mas só consegui pro final do mês, mas talvez não seja nada mesmo." 
Alice estava mentindo e ela não sabia bem o motivo de querer fazer aquilo, mas sentia uma necessidade, às vezes incontrolável, de ficar próxima a Paula. Tudo era motivo. Paula percebia a aproximação, e por isso nunca sabia como reagir chegando a ficar constrangida em algumas situações, mas essa fora a mais extravagante. 
Paula era homossexual e embora tivesse amizade com os professores, ela não dava muitos detalhes sobre sua vida pessoal e não falava sobre sua 'preferência' sexual. Por este motivo, as tentativas de Alice a assustavam e ela não entendia o porquê, já que Alice não apresentava nenhuma 'característica' de também ser homossexual ou no mínimo bissexual. 
"Qualquer coisa você me fala, mas fica atenta... verifica todo mês. Você tem casos na família de CA?"
"Pior que não, talvez seja minha imaginação mesmo, mas agradeço pelo seu tempo, pro."
"Tudo bem." Paula voltou a se sentar. Alice se encaminhou até a porta.
"Até semana que vem..."
"Tchau."
Alice parou ao lado da porta por alguns segundos e pôs o rosto para dentro da sala.
"Você vai na nossa formatura?"
"Eu vou sim!"
Alice sorriu e se foi.
Passados dois meses lá estavam os formandos na colação. Os professores recepcionaram os alunos na entrega dos canudos.
Alice sempre mantinha o olhar em Paula o que consequentemente fazia Paula ficar olhando também, sem jeito.
Chegou a hora da balada, as luzes no salão ao lado do auditório diminuíram e começou a tocar Fly Me to the Moon de Frank Sinatra. Alice estava dançando com um amigo de sala sem tirar os olhos de Paula que estava num canto com outras duas professoras.
Paula achava Alice muito bonita, jovem, interessante, mas era uma aluna... e heterossexual? Talvez, mas por alguns segundos Paula havia percebido que estava incrivelmente encantada com Alice, naquele vestido basco em v, púrpura brilhante. 
Alice se soltou do par e caminhou em direção a Paula, convidando-a para dançar.
"Quê? Eu não..."
"Vem!" estendeu a mão.
Elas começaram então a dançar. Para os presentes, aquilo era algo curioso, porém normal, onde uma aluna estava dançando por brincadeira com sua professora favorita. 
"Seu cheiro é bom." Alice falou suavemente como se estivesse em êxtase pelo momento.
Paula sorriu tentando procurar palavras para dizer.
"Talvez não nos vejamos mais, mas você tem meu telefone no e-mail que te mandei, pode me mandar uma mensagem..." Alice estava olhando fixamente nos olhos de Paula.
"Eu salvei seu número, só nunca pensei em mandar nada... mas te chamo."
Por um momento Paula quis que aquilo não acabasse. Mais uma turma se formando e partindo, só que daquela vez tinha sido diferente, ela enfim se deu conta, estava apaixonada por sua aluna. Sentia uma sensação de alívio e aperto no peito.
De repente começou a tocar uma música eletrônica e elas precisaram se soltar.
Um parente convidado de Alice se aproximou e disse algo em seu ouvido.
"Professora, vou precisar ir embora agora. A gente se fala."
"Tá, a gente se fala!"


Saíram do elevador e caminharam até a porta. Paula abriu para Alice entrar. 
"Não repara na bagunça."
Alice foi entrando e avistou um prato de ração.
"Tem cachorro?"
"Nada, tenho uma gata. Mel. Deve estar na cama... Melzinha?"
A gatinha siamesa veio correndo em direção à Paula, se entrelaçando em suas pernas. Alice foi logo pega-la no colo.
"Que dengo!"
"Acho que ela gostou de você. Ela não é de deixar pegarem. Quer beber alguma coisa?"
"Não, estou bem." Alice sentou no sofá. Paula sentou no sofá a frente.
Silêncio.
"Você casou?" perguntou Paula.
"Não, mas tenho um filho." Alice tratou logo de tirar o foco da conversa de si.
"E você mora sozinha?"
"Eu sim, desde antes de te dar aula."
"Homens são um porre daqueles bem ruins."
Paula foi ao ponto.
"Eu sou lésbica, Alice. Homens com certeza são um porre."
Alice sentou ao lado de Paula e olhou fixamente em seus olhos.
"Sério? Eu não sabia..."
"Eu não misturo o pessoal do profissional, talvez por isso você não tenha percebido, eu acho."
"Olha, talvez eu tenha sentindo algo... mas não sei nem se consigo te explicar."
Paula se mostrou interessada e por um momento sentiu nostalgia do passado.
"Tenta. O que é? Era aparente?" Ela fingiu não entender.
"Eu acho que eu era afim de você. Eu sentia uma conexão com você, mas não posso dar certeza disso porque você não me correspondia... tenho até vergonha de falar isso" Alice sorriu e cobriu o rosto com a mão. Paula pegou a mão que estava em seu rosto e apertou.
"Eu te entendo!"

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