Seul.

Outra vez acordei sozinho, passei a mão do lado direito da cama e estava fria e vazia, abri os olhos e fitei o retrato dela em cima da cabeceira, estiquei meu braço pra pegar e o trouxe pra perto do meus olhos. Ela era incrivelmente linda. Lembrei de como o sorriso dela fazia meus dias bons e lembrei do tanto que eu sentia falta, falta de tudo, das brigas, das conversas, do sexo matinal, do carinho em qualquer hora do dia ou, simples e inexoravelmente,  a falta da sua presença. Adorava o jeito que ela me olhava sem nada dizer, do jeito que ela ria, se vestia, do sabor do tempero, das danças esquisitas, do jeito que ela se sentava na poltrona pra tomar café em frente a tevê, adorava até o Romeu, o gato dela que soltava pelo por toda parte, e nem isso havia mais na casa. Nem um vestígio de que eles estiveram lá por longos quatros anos, mas longos e intensos, eu repetiria tudo de novo, da mesma forma ou melhor, daria o meu melhor. Teria ido busca-la na tarde chuvosa que ela ficou me esperando, toda molhada e eu não apareci, teria comparecido as comemorações da família dela, teria atendido as ligações dela ou respondido as mensagens quando eu saia e não dava satisfação, pediria desculpas por não chama-la pra sair algumas vezes ou pedido pra me deixar sozinho, entre outras coisas que eu fiz e não deveria ter feito, e nunca agradeci por ela ter me amado, ter se preocupado e ter dedicado seu tempo à mim, talvez eu nunca tenha sido grato, antes, mas agora, eu me arrependo todos os dias, morro todos os dias, porque houveram dias ruins pra gente, mais pra ela, porque a maior parte da relação, eu fui um cara estúpido, mas a amava, muito, eu só não percebia ou não dava tanta importância já que ela estava sempre lá e burro fui de achar que ela sempre estaria, eu dava pouco valor e ela não se contentava com o pouco que eu queria dar, ela estava ali pra mim, nas minhas mãos e eu não soube segurar.
No dia que ela foi embora, eu tinha passado antes num bar pra tomar umas doses, tinha sido um dia de trabalho muito exaustivo, eu não tinha costume de beber, quando bebia era pra me sentir melhor, eu não era "feliz", eu não dava importância pra coisas relevantes, eu sempre fui um tanto louco, de sete dias na semana, dois eu me sentia bem, com vontade de fazer algo diferente, sozinho ou com ela, mas eu queria sair da rotina, e desses dois dias, em um, se eu fazia algo, era muito. No primeiro ano foram mil maravilhas, depois achei que tivesse caindo tudo na mesmice e comecei a mudar, a ficar insuportável pra ela, e foi aí onde tudo começou desabar sobre nós, mas eu só sinto as dores agora. Ela havia me ligado as 14 horas, eu vi a chamada, mas não retornei. Eu achei que seria como sempre, eu não atendia, chegava em casa e ela brigava por ter se preocupado enquanto eu fazia "sei lá o quê". Bebi, dei uma volta com o carro e então resolvi ir embora. Quando entrei vi malas em frente a porta, achei estranho, mas não quis perguntar. Na verdade, eu nem queria falar nada pra ela não começar a falação de sempre. Joguei minha maleta no sofá e fui até a cozinha tomar um pouco de café, até que eu me virei e, ela estava com uma cara abatida, com o Romeu no colo. Ela ficou parada, só olhando. Eu esperei um pouco, mas ela não disse nada, então resolvi questionar. 
- Qual é das malas?
- Você percebeu?
- Se você tivesse deixado elas mais de canto, não teria percebido. - Ri.
- Você não vai perguntar o motivo de eu ter chorado?
- Você tava chorando? - Me aproximei dela, tentei tocar seu rosto, mas ela desviou. 
- Você não se importa, não é? Nunca se importou.
- Porra! Claro que me importo, se não, não teria te trazido pra dormir na minha cama.
- Eu chorei, sim, Fred, mas chorei pela decisão que tomei, por ter que fazer o que vou fazer, chorei por te amar e ver que a única solução pra mim é te deixar.
- Me deixar? O que você esta dizendo?
- Estou indo embora, da sua casa, da sua vida.
- Isso é solução pra você? Qual é a solução pra nós? você pensou nisso?
- O nós nunca existiu, vivemos uma mentira. Mentira que eu lutei todos os dias pra fazer ser verdade, mas eu sou fraca, Fred, não consigo mais. Cansei de sofrer por você, sentir por você, fazer tudo por você e não ouvir nem um te amo, mais.
As palavras dela pareciam ecoar dentro de casa. Abracei-a e fiz força pra dizer algo acolhedor, mas eu estava vazio e com medo. Ela se soltou de mim.
- Adeus, espero que você se cuide e tente ser feliz agora. Não vou ser um empecilho mais. 
- Hanna, você tem certeza que quer isso?
Ela se virou, saiu com o gato e levou mala por mala até o carro e até que ela fechasse a porta de vez, eu fiquei imóvel, sem saber o que fazer, parecia que eu estava na estaca zero de um caminho sem fim a ser percorrido, não saberia o que viria agora. Acordei no dia seguinte, estava no sofá com a roupa do corpo, fui até o banheiro e joguei uma água fria no rosto, eu queria estar sonhando. Estava com uma sensação horrível dentro de mim, uma sensação inexplicável, de vazio, de medo, abandono, algo que eu conseguia sentir fisicamente. Olhei pro meu rosto no espelho e chorei, chorei como uma criança que pede colo. Eu precisava de socorro, mas eu estava sozinho, aquele banheiro pequeno pareceu enorme, eu parecia minúsculo pro tamanho daquela casa, tirei toda a roupa do corpo e fui pro chuveiro, não queria sair de casa naquele dia, não queria ver as pessoas, eu chorava e chorava e me sentia imundo por dentro, me senti oprimido por mim mesmo, eu senti vergonha por estar chorando e mais, chorando por ter errado e não ter tentado ao menos consertar, me senti um lixo completo. 
 Eu a amava, mas não dava importância, eu me preocupava mais comigo. Eu tinha uma mania idiota de não ligar pra sentimentos, e ela queria demonstrações de carinho e eu só dei no começo, eu achei que estava desgastado, eu, os sentimentos, ela, a relação, talvez fosse tudo coisa da minha cabeça e agora sinto um vazio enorme, que nada, nem ninguém possa preencher. Agora eu daria tudo pra ela voltar.
Depois que ela me deixou, recebi alguns telefonemas e, claro, eu não estava pra atender, ela deixava mensagem na secretária e eu ficava ouvindo consecutivamente, teve dias que eu chegava em casa e ela estava toda arrumada- depois que ela se foi, a casa mais parecia uma zona, eu nem comia mais lá, por não ter higiene e espaço suficiente-, alguma comida feita e seu perfume pairando no ar, é, o perfume dela sempre vagava pela casa, o cheiro do shampoo quando ela saía do banho quente. Uma vez encontrei um bilhete em cima da mesa dizendo " você não deu jeito ainda na sua vida, continuo torcendo pra isso ", então, comecei a me impor limites e regras de convivência comigo mesmo. Parei de deixar as roupas jogadas, lavava os pratos, não deixava coisas fora do lugar, até adotei um cachorro que me distraia, mas acho que não mudei tanto, ele acabou indo embora também; dele fui  atrás, mas não o encontrei mais. Ela ainda tinha a chave de casa, o que me dava esperança que ela voltaria, mas depois de uns meses passados, eu sentia que ela não pisará mais lá. 

Comentários

Postagens mais visitadas